5 de Julho de 1982, estádio do Sarriá
Olho incrédulo para o televisor. Os italianos festejam e os brasileiros olham acabrunhados uns para os outros. A melhor equipa de selecções que eu alguma vez vi tinha sido eliminada do mundial 82.
À noite deito-me e como de costume coloco o radiozinho a pilhas debaixo do travesseiro e ouço os comentários sobre o mundial. Unanimidade geral: a eliminação do Brasil gerou a incredulidade mundial. Ninguém consegue perceber como foi possível. Os brasileiros choram. Acredito que os únicos satisfeitos com a vitória italiana são mesmo os italianos. Eu adormeço a pensar que no fundo tudo não passou de um mau sonho, e que algo vindo do além vai recolocar o Brasil no mundial. Debalde, nesse dia o futebol arte morreu. E desde esse dia nunca mais fui “brasileiro”. Até hoje me sinto traído. Nunca mais perdoei tal traição.
Tempos diferentes. Ver um jogo de futebol na TV acontecia muito esporadicamente. Em vésperas do mundial a RTP transmitiu num domingo ao final da tarde, em pleno Maracanã um excitante Brasil – RFA. Foi o contacto com duas excelentes equipas, que admirava à distância, pelos relatos que me chegavam via trissemanário A Bola, então considerada a Bíblia do desporto em Portugal, ou então no pequeno resumo dos campeonatos estrangeiros, no Domingo Desportivo.
Fantástico ambiente, duas grandes equipas, um grande golo de Baptista, que depois até foi jogador do Belenenses, imagine-se, e o surgimento de uma grande promessa do futebol alemão, Lothar Mathaeus. Nesse dia escolhi as equipas que apoiaria no mundial.
Portugal tinha ficado pelo caminho, como de costume, apesar das esperanças iniciais via vitórias fantásticas frente aos colossos Áustria e Escócia, e quando digo colossos, falo a sério mesmo, vitórias made in Alberto, o melhor defesa esquerdo que alguma vez vi em Portugal, a queda na Luz contra os mesmos austríacos dos magníficos Prohaska, Krankl, Pezzey e clda foi perfeitamente natural, como diria Artur Jorge.
Na TV via os cartoons do Naranjito, seguindo a linha traçada nos Jogos Olímpicos de Moscovo, com o urso Misha, aguardando com ansiedade a prestação brasileira.
No dia em que o escrete entrou em acção tive uma crise de gripe de caixão à cova. Fiz tudo para evitar ir ao médico. Mas quando a febre atingiu os 40 graus, meus pais encaminharam-me para o hospital. Tal qual um doente com dores de dente, que devido ao medo do dentista, a dor como que miraculosamente desaparece, em pouco tempo a minha febre baixou, regressando a casa a tempo de ver o jogo. Danada da minha mãe que me indicou a cama como destino. E de lá ouvia o relato que entrava vinda da TV da sala, a única e a preto e branco, diga-se. Mas não aguentei, e como quem não quer a coisa consegui assistir à segunda parte do jogo e maravilhar-me com aquele futebol, elaborado, rápido sem os jogadores correrem muito, cheio de fantasia, habilidade, toque de bola e golos sensacionais. Já na altura havia mais adeptos nos treinos do escrete que nas bancadas da liga Sagres, com excepção do Benfica, claro.
E foi assim até ao tal jogo do Sarriá de má memória. Por acaso já morreu o raio do estádio. Prós infernos, o raio do relvado que permitiu semelhante barbaridade.
Sabia lá quem eram os italianos. Lembro-me do Zoff a comer um golaço do Nelinho em 1978. 40 anos?? Que loucos os italianos. Scirea, Collovati, Cabrini Tardelli…ahahah…mas isso são nomes de jogadores de futebol? Olha o Rossi, o malandro das apostas. Graziani parecia o meu avô. Que podiam eles contra o Dr. Sócrates…este tem mesmo o canudo… J… genial Falcão, Eder patada atómica, Zico, Cerezzo, Serg…bem, nunca existiu perfeição.
Zezé Moreira, o “Toni” de Telé Santana, avisou que a Itália era perigosa e logo foi apelidado de gagá, nãos endo metido num hospício por milagre. Venha o próximo, venha o próximo, e viva o samba.
Os italianos com um jogo de marcações perfeitas, com jogadores que afinal iam muito além dos nomes engraçados jogaram um excelente futebol, obrigando os brasileiros a ficaram prisioneiros da sua petulância. Estes não ligavam um passe. Não conseguiam levar a bola a brincar para a adversária italiana como faziam com a naturalidade com que o actual presidente do scp diz disparates. Quando falcão fez o 2-2 parecia que era o título mundial. Efémero. No fundo eles percebiam que o dia não era seu. Rossi repôs a vantagem e nunca mais os italianos a perderam. Zoff vinga-se da humilhação de 78 com a uma soberba defesa. Velhos são os trapos.
Ah, malditos italianos. Sempre os mesmos. Não jogam nada, dizem, e ganham. E a Alemanha? Essa foi apenas comparsa no festim transalpino. Mas queria lá saber. O futebol arte tinha morrido no dia 5. De quando em vez alguém parece querer ressuscita-lo mas um Mourinho qualquer acaba com as veleidades num instante.
Que raiva. Ainda hoje sinto o desespero dessa derrota. Derrota para o futebol mundial. Quem tem duvidas, sente-se e assista a cores os “belos” jogos deste mundial.
Malditos…brasileiros….
Notlim falou…